Esse barulhinho que escuto quando acordo me faz lembrar uma manhã de sol, tempestade de ontem não diria, em Camburi. É um chiado, nunca soube se grilo ou cigarra. E, no meu quarto, em São Paulo, acho, há de ser o tilintar do vidro da janela, em frequência rara (tchau, trema!), cada vez que sobe um caminhão na rua lá fora. Essa mania que tenho, ou que acontece comigo, de rever a cor do Corcel que meus pais tiveram, cada vez que ouço o mesmo tom da buzina, é a verdadeira culpada, razão inteira, por toda a melancolia que me faz acordar longe, acordando em casa, o cheiro da grama molhada, com essa mesma satisfação de quem teve um desejo realizado durante a noite, Deus, ajuda a sair sol amanhã. A luz cruzando a janela, ainda reconhecendo a novidade do quarto, escondida no escuro da noite anterior, a gente chegando molhado, de tirar as coisas do carro debaixo da chuva. Quanta água! E, no colchão sobre o chão, vovó, dormindo ainda, saudade. De quando a gente não sabia que depois, tanto desespero, sem motivos, a vida inteira anulada, inclusive o começo de sol num feriado, vai dar mar. O sol chegando no rosto, os detalhes de vovó ficando velha, perdida, sentada na poltrona da casa da irmã, olhando agora, vejo mais velha ainda, alheia, com menos afeto, menos poesia, escancarada e desinibida, sem tempo para mudar o caminho e as escolhas pela última vez. E conforme o sol invade o quarto, tanta luz, tanta luz, os móveis da família mostram os dentes e as banguelas, até uma almofada emborrachada de quando a casa era o roteiro preferido das férias de mamãe, dando volta pelo quintal, pegando manga com a mão, a areia dos pés dizendo bye-bye, chiquilla, efeito da ducha forte e gelada que filtrava a volta para dentro da sala. Que ninguém entra sem tirar o grosso!
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