Vocês estão vendo: são duas xícaras na mesa. Xícaras, não: canecas. Interessante a importância que uma xícara pode cobrar na vida da gente. Xícara, não. Caneca. É. Essa da esquerda, com esse conjunto de folhinhas marrons e galho amarelo, eu uso para beber água. Roubei do meu irmão. A da direita, um arco-íris desajustado, com estrelas mal pintadas, ganhei da minha tia. Quando ganhei, não imaginei que sempre pensaria nela cada vez que desse outro gole. A xícara da direita, a que ganhei da minha tia, usei, por pouco mais de um ano, para tomar leite no café da manhã. Leite com corn flakes. A preguiça de lavá-la todos os dias me ensinou que o floco seco adere à porcelana de tal maneira que só sai na unha. Literalmente. Com a xícara de folhinhas amarelas, aprendi a não tomar água deitado na cama. Das 17 vezes que tentei, só não molhei o lençol em uma.
Hoje, diante dessa mesa, das duas xícaras, estou pensando numa porção de coisas. Pensando que não são xícaras, mas canecas. Pensando que, quando roubei a primeira do meu irmão, e ganhei a segunda da minha tia, não sabia a importância que uma caneca pode cobrar na vida da gente. Reparando no tanto de tinta que a lava-louça gastou, imaginando o dia em que foram feitas, adivinhando a idéia na cabeça de quem fez, entrou uma dúvida grande. Vocês podem dar risada. Fazer piada de mim, se quiserem. Mas entendi, agora há pouco, que, usando, e também deixando de usar, uma vai quebrar antes da outra. Fatalmente. A que roubei do meu irmão. A que ganhei da minha tia. Eu sei. Compreenderia perfeitamente. Quando identifiquei o conflito, também ameacei achar graça. Depois, quando lembrei do travesseiro molhado e da unha quebrada, quando refiz o dia em que tomei a primeira emprestada, para não devolver; e usei a segunda pelo terceiro dia sem lavar, percebi que o sorriso era saudade. Saudade da minha tia. E do meu irmão.
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