Bruno encostou a garrafa nos lábios, soprando, alheio às conversas da mesa, preguiça no jantar de aniversário, e ouviu, que fosse impressão, o som grave, aveludado, a mesma sirene da balsa para Ilhabela atravessando a cabeça, pinçando o estômago, os olhos ensaboados, não, não sei, o que vocês quiserem. Mesmo a Marguerita, experimentada agora, albahaca, se dice, com trilha de verão, o curioso adiamento da chegada, com as 5 horas de espera na fila, a brisa, o cheiro do mar à noite, fico aqui as férias inteiras, por cima da promessa de reveillon com luau e faróis acesos, e "My song", Garbarek e Jarrett no toca-fitas da Quantum vizinha na viagem, licença, que música é essa, o tipo, meia idade, barba comprida, grisalha, esse som aqui, as duas garotinhas da foto da capa e as pedras no chão, mais ou menos assim, o vendedor, tentando adivinhar, jazz, você falou, a Hi-Fi, no Eldorado, não é para presente, não. Os amigos reunidos, ninguém mais canta parabéns, com abraço folgado, selinho da Paula, a piada do garçom na mesa ao lado, o reflexo das lâmpadas frias no vidro verde do guaraná, com menos colarinho, por favor, a sexta e a segunda-feira, ontem e depois de amanhã, com a faculdade e o trabalho, a equação, Mônica, Fernando e Fred, trio parada dura, ménage vai ter, mais velhos, saudade um do outro, se o MBA em Nova York, festas tresloucadas em Paris, ou só os três meses de curso de espanhol em Medellín, a consciência carregada, essas coisas que acontecem, sinceras e assustadoras, no apartamento do Pedro na Rocha Azevedo, em 2003, clima de vale-tudo, e o que o medo cobra depois? Bruno, as aulas de flauta da quinta e da sexta série, o segredo do formato da boca, a Nona Sinfonia, os cem ensaios para a Noite Musical, arrematados no domingo da véspera, São Paulo x Portuguesa, o truque e a medida da bochecha na corneta vermelha, com gosto de plástico e sobra de saliva na hora do gol. Reaproveitados numa festinha improvisada, o trompete usado, comprado de um amigo, só quero fazer barulho, saindo, de cara, três ou quatro notas, repete, Bruno, tá ouvindo, é quase, tá vendo, a melodia, vai de novo, igual, cacete, a mesma melodia, caramba, sem querer, você tirou "parabéns pra você".
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