Aí, olho reflexo meu na torneira do banheiro. Prateado. Ah. De volta ao quarto, dá tempo de pensar em muita coisa. Quando, arrepiado, atravesso o corredor, fotos dos dois lados, dizendo: "vai, vai, passa, que não volta mais". Isso: eu, nesse caminho de todos os dias, nunca o mesmo, motivo de saudade, e para sempre, se pensasse minha vida no minuto em que ela, acontecendo. "Vai, vai, e não volta mais". E chego até o quarto, gaveta aberta, a cueca que tenho que vestir. "Meu deus". Até elas, agora: "vai, vai, e nunca mais". Meio arrebentadas, antes, pro lixo, não doía tanto. Hoje, enfim, testemunho que não quero largar. Pena grande dá essa sensação de perder tudo que tem a dizer. A estoniana que comi num apartamento emprestado, quem vai lembrar? E os infinitos lugares que visitou. Quando saí de Berlim, Lucía olhou o meu sapato e comentou: "se meu pai adivinhasse o tanto de viagem que uma sola pode guardar, então deixava eu atravessar o Atlântico". E nada. Porque a gente se salva. O tempo todo, a cada dia. Mas eu não. Vou de cueca rasgada, rasgando a pele, questão de honra que tudo deixe marca. Aí, num bar; não, bar, não; numa cantina, falei: sabe por que dói a garganta? Todo o tempo sem dizer o que precisa, modulando as sílabas, assim agrado os outros; aí, sentado, deixo dizer, porque me rasgo, porque a pele é para levar ferida, sola de um sapato, cueca desgastada, e, falando, inflama, entope a faringe, laringe, e derrama tudo de uma vez. Eu sei. A gente tem receio. E quando ficar velho? Se vou dizer de novo? Ou vou dormir sozinho? Não, não. Tem que ser agora, sendo vontade de um mundo para sempre.
<< Home