Muro de Berlim. O nome do capítulo da Barsa. Mesmo nome da lição. A professora, Cecília, "para a próxima semana". O muro de Berlim, ela quis dizer. "É para a próxima semana". Quando dividiram o mundo, o ocidental, o oriental, ninguém imaginou: lição de casa. "Vamos até a Eliana", disse o pai, na cozinha. Tem a coleção completa de enciclopédias. Incompletas. Então, montaram no carro, após um almoço de domingo. Saíram contando os Voyages da rua. Foram 37. E estacionaram do lado de fora, em frente ao portão cinza e comprido. O jardim da frente, as palmeiras altas e uma planta, "bico de papagaio". Trocaram "ois", a mãe ficou na sala, conversando. Mathias seguiu até o ateliê dos fundos. Antes, cruzou uma tartaruga. "Aposto uma corrida", ensaiou, desajeitado, o pai. E pensaram no muro de Berlim. Foram à primeira, de "A" a... Não lembro bem. O pai sentou na mesa, o filho abriu na página 276. O pai perguntou: "achou?". "Ainda não". O pai acompanhou cada dúvida, e a lição mal tinha começado. O moleque tossiu, coçou os olhos, alergia, tanta poeira. Encontrou e começou a ler, devagarinho. O pai repetiu: "ajuda?". O filho: "é só copiar?". E acumulou o primeiro, o segundo. Foram mais de dez parágrafos até que, cansado, "desisto". "Está entendendo?", e o garoto fez que não, claro. O pai olhou mais sério: "se você me explicar um pouco do que escreveu, copio o resto". "O muro de Berlim", foi dizendo Mathias, "dividiu o mesmo país, a mesma cidade, o mesmo bairro, o mesmo povo em dois". E o pai sorriu: "separou até famílias. Mitte, Prenslauer Berg, Charlottenburg...". O filho bocejou, estava com sono. Era hora de terminar a lição. Agradeceu o pai com um abraço. Apertou forte. Sem querer, veio de volta, com os olhos fechados, a foto do concreto velho em pedaços. E celebrou a queda provisória de todos os muros que te separam de mim.
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