Die berliner Mauer. O guia atualizado nas mãos. Deixara o hotel bastante incomodado. Ada dizendo "não acredito", "bem aqui", "por que, meu Deus?". Danilo precisava de "ar fresco". Nervoso com a discussão, "não tem que ser para sempre". Tão óbvio e tão proibido. Assim. Tem que ser mentira, sendo tão cruel, pensou. Se não tivesse dito, se tivesse aceitado ser quieto outra vez. E admitisse a vontade dela. E fizesse a rota dela sem doer demais. Mas estava lá, a fantasia própria, sempre sufocada nos cabelos compridos e na palma da mão, ansiosa pelo volume do corpo arredio e feminino. Mas eu vou ter uma chácara. Vou viajar de navio. Criar tartarugas. E falar 7 línguas. E voar num zepelim. Monte de sonhos, com o tempo, em vão. Agora, no alto da Alemanha, até o roteiro da cidade querendo ser o de alguém. "Não", desabou no quarto. ''Não fiz a parede da sala com azulejos de cozinha árabe, não abandonei Química no segundo colegial, não montei a fábrica de vinil, não postei o envelope em Praga nem terminei o meu primeiro livro. Não fui do CoBrA, não tive amigos "fluxus", não me formei arquiteto. Prometi que teria 5 cachorros, nenhum carro e que correria a maratona. Não é possível: o que sobrou do meu sonho, se é que sobrou algum, vai ter dono, dona, agora, em Berlim?" Ada, na porta do banheiro, e ofendida; toalha feito turbante na cabeça, machucada, não aturou. "O que você quiser, egoísta. Tá ouvindo? Vá lá: faça da maneira que te satisfizer." Correr pelado em Estocolmo, um bairro pequeno de Barcelona, tango argentino num bar vazio de São Paulo, a bicicleta de 90 marchas, gozar de meia furada, contar estrelas no céu de Ilhabela, roubar um cd importado, dormir no telhado, aprender guache, desmanchar aquarela, rever Sofia e a catedral, nadar na caixa d'água com a Mariana, terminar a faculdade, não ter medo, não ter medo, viajar até Pequim, mudar de planos, tocar piano, ser veterinário, veterinário, beijar a Marcela, comer a Marcela, trocar a camiseta, cumprimentar Del Shannon e escorregar de barriga lá do alto da rampa fofa e gramada. Foi a listinha de sonhos que lembrou. Diante do muro, o sonhado muro de Berlim. Bem longe, agora; Ada sozinha, no Mitte, na primeira semana das férias de verão.
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