Eu tinha esquecido o endereço.
Sempre tive o hábito de ler o nome da rua e o número, uma, duas vezes, antes de tomar o táxi, o ônibus, ou ir caminhando. Mas eu andava mais esquecido. Mais distraído, mais velho. Prestava mais atenção no barulho do lápis, roçando o papel, do que no texto. Comia o pêssego sem cortar, para sentir a casca e o dente. Não sei dizer se o que mudou foi acidente, foi intenção. Veio um dia, que se repetiu depois, e eu fiquei mais devagar. Mais suave. Mas mais triste também.
Tirei o número do bolso. 23. Fui 23, 19 e 20 na lista da chamada. 25 e 26 também.
Débora estava me esperando. Estava esperando que chegasse com o caderninho no bolso, com a mão suja da rua, suja de saudade. Disse "oi". Eu só falei "tudo bem".
Débora perguntou algumas coisas bobas: "como você faz para não envelhecer?". "Ainda gosta de música?". "Faz tempo que não visita Buenos Aires?".
Entreguei a caderneta. "Coincidência a gente se reencontrar assim".
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