(Um relato autobiográfico, se você acreditar.)
Tamara não era exatamente feia. Tinha o cabelo avermelhado, ondulado, a pele clara e uma pinta perto do lábio superior, à direita. Nenhuma questão séria, quando você tem bem mais que dezesseis anos. Tamara tinha 15.
Pensando agora, mais velho, vejo que era sozinha, e sua agressividade, resposta para a solidão imposta pelos outros. E produto do inconformismo por também se sentir culpada pelos intervalos sem ninguém, a fila da lanchonete da escola, desacompanhada.
Não saberia dizer de que maneira a gente se cruzou. Não me lembro. Tenho a leve sensação de que foi depois do horário de aula, num canteiro de pedra de construção, onde ficavam algumas barras de exercício. Ela provavelmente perguntou: "5a B"? Eu: "Não, não. C.". Depois disso, seguimos para a fila da cantina - era assim que chamavam no meu colégio - e pedimos umas cinco balas gordinhas numa embalagem quadrada. Me falha o nome agora.
Tamara contou que era filha única. Que tinha cortado o cabelo na altura dos ombros porque tinha sido difícil com o cabelo comprido. Falou da tristeza de ser ruiva. Cabelo alaranjado, frisou - me lembro desse detalhe. Comentou sobre a mãe, divorciada, figura estranha, distante, faz falta, viu? Depois de 1 ano na escola, ainda se sentia nova, por fora das coisas, por fora das pessoas, com medo, com desprezo, com vontade de operar outro sistema de relações. Em tempo?
Interessantes as confissões de Tamara. De longe, sozinha, acompanhava alguma coisa em comum que havia em mim. Circulei entre diversas turmas (meu tio diz "turma"), tive bons amigos, mas sempre fui avulso. Uma folha de caderno com os furos rasgados, na margem esquerda. Acho que foi isso que Tamara viu aqui. Você gosta das pessoas com quem você anda? Pedi uma coca-cola.
Tamara sabia, antes de qualquer pessoa, pessoas com 15 anos, que a vida é uma responsabilidade. Constatação cara; tudo ficava muito mais difícil. Ela não gostava de refrigerante.
Duas semanas depois, Tamara me chamou no intervalo. Meus amigos olharam com surpresa. "Daqui a pouco, passo lá", e fui falar com ela. Estava mais triste que o habitual. E mais brava. Irritada, insatisfeita. Querendo se vingar de si mesma, o que doía de um jeito diferente. Perguntei se estava tudo bem, procurando saber justamente o que estava mal. Tamara disse que queria se matar. Que já tinha tentado se matar. "Sério?". Perguntei: "como?". Não um "como" de "como assim, Tamara, o que você está fazendo da sua vida?". Foi um "como" curioso mesmo, de alguém sem qualquer ideia dos métodos e razões pelos quais alguém se mata.
Tamara olhou fundo - e reparei, de novo, na pinta. Estava decepcionada. Profundamente triste. Foi quando precisei dizer: "tchau, estão me esperando". Antes de eu ir embora, fez um "ei", pedindo meu último pedaço de atenção.
- Você nunca vai entender, Fernando, mas quando me matei, eu não morri.
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