E ninguém entende, não entendi, a violência das coisas que a gente faz pela última vez. Adriana fechou a porta do quarto, tchau; tchau, quarto. Depois de 17 anos, a luz entrando daquele jeito, através daquela janela. Essa fresta que fica para trás, não é só fresta, nem só para trás. É para sempre, e a ideia de para sempre, confusa, pareceu apontar para frente, apesar das coisas que morrem para sempre, para trás. Foi saindo de mansinho, a cama desmontada, a última lembrança desmontada, ia com ela, tão diferente, armada, depois, num outro lugar. Vai, cama; vai. O corredor vazio, as paredes vazias, o medo do vazio; quando a gente fica esvaziado, a cabeça transborda, tudo acumula ao mesmo tempo, a pizzaria na noite da despedida, o cigarro dividido, não sei ficar cada vez mais longe das coisas que sempre quis perto de mim. Adriana chora um pouquinho, o canto do olho, enquanto desce a escada, e as coisas repetem "a gente esteve aqui", "a gente esteve", "esteve aqui". Esse verbo é o que mais machuca. Os advérbios terríveis, de tempo e de lugar. Ontem, lá. Hoje, longe. Ai, caramba, Adriana faz os últimos degraus, quando falava degrais, a mãe corrigia, porque chapéu, chapéis, não, florzinha.
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