tag:blogger.com,1999:blog-198404942024-03-22T01:55:25.704+01:00UN MUNDO PARA RODRIGUSPersonagens que estão contidos. Incontidos.Unknownnoreply@blogger.comBlogger472125tag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-74515313037422821372015-08-21T04:25:00.001+02:002015-08-21T04:25:33.578+02:00<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Existe uma Rambla em Terrassa. Ela sai de um lugar alto para dar num lugar baixo. Você consegue fazer a descida, olhando malas de pequenas lojas de chineses ou comprando flores de bolivianos. Consegue escrutar vitrines iguaizinhas do outro lado do Atlântico. Pode comer uma empanada ou um arroz temperado, se quiser. A Rambla de Terrassa tem um museu, com um ótimo restaurante. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Numa manhã úmida, de um casamento estranho entre uma névoa espessa e raios de sol muito amarelos (pelo reflexo das próprias microgotículas que hidratam o rosto, talvez), Sergi sai para pegar o trem, segurando o telefone na mão. Ninguém está chamando. Sergi desliza a longa <i>playlist</i> de rocks e outras canções, em busca da faixa preferida de uma semana que ficou tanto tempo atrás. Imediatamente, pensa no clipe, assistido, com fones de ouvido, diante de uma tela funda de computador. Se lembra também do dia em que, dançando a música numa pista, torceu o joelho, tanto o esforço de sincronizar com o tempo da melodia, lento, tratando de tocar o espaço todo com um corpo que sequer alcançava o casal ao lado. Fez tudo isso em câmera lenta, e, agora, tudo aquilo ficara tão curto numa vida nem tão comprida assim. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Sergi decidiu ouvir a música porque acordou com um vazio no peito. Um vazio que, na verdade, era enchente, transbordando de ondas cujo nome nunca lera em nenhum lugar. Sergi acordou com uma sensação que poderia ser descrita como vontade desesperada de sentir saudade. Sentir saudade. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Mas Sergi não sabia sentir saudade. Melhor: não sabia dizer que, talvez, a inundação no peito fosse saudade. E toda aquela discussão sobre como dizer que você faz falta longe do português do professor que conheci em Viana do Castelo. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O gelado que corria com o vento, no sentido contrário da rua larga, lançava Sergi para nós entre pessoas, tempos e espaços que, hoje, não passavam de imaginação. Ada ainda não usava batom e não tinha começado a pintar o cabelo. Cesar tinha uma coleção de livros sobre Orson Welles. Juntos, os três bebiam garrafas de cavas e tomavam sol, sem camiseta, no Vallparadis. O paraíso que habitava o nome do parque passava despercebido, mesmo quando, não declaradamente, resvalavam o braço um na pele do outro. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Sergi pensa nisso e repete, muito discretamente, inclusive porque continua caminhando, as torções da dança muscular que inventou num bar com nome em <i>néon</i>. De longe, encara a estação e calcula quanto tempo tem antes de ficar à disposição da curiosidade alheia, na plataforma de embarque. Conclui, aflito, que resta só o tempo da saudade. E mesmo o peito sendo um saco sem fundo, avalia, a saudade passa. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #545454; font-family: arial, sans-serif; font-size: x-small; line-height: 18.2000007629395px;">— </span>¿Qué pasa, Sergi? <span style="background-color: white; color: #545454; font-family: arial, sans-serif; font-size: x-small; line-height: 18.2000007629395px;">–</span> cumprimenta Helena, vendo o amigo dançar. </blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-86736338321278597082015-07-25T05:32:00.001+02:002015-07-25T05:34:24.987+02:00<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Victor subiu no muro que dava para o telhado de trás, onde tinha se escondido algumas vezes para fumar. Estava garoando, não daria para acender um cigarro. Mas, se chorasse, ninguém perceberia. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Ninguém percebeu quando Victor correu para debaixo da cama, porque tinham esquecido seu aniversário na escola. Anos depois, voltando para casa num dia de chuva, olhando a cidade, o corpo e a alma resfriada, pediu uma pizza. O entregador, molhado, não reparou que Victor estava com os olhos cheios d'água, por causa da maneira como a vida acontece, como a vida acontecia. Separou dois reais, esforçando-se para ocupar a cabeça, para desfazer o motivo de chover por dentro cada vez que chovia lá fora. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Victor andava pensando em tanta coisa. Nos amigos que ficaram pelo caminho, na família que ficaria pelo caminho, nos lugares, nos vazios, em tudo aquilo que, apagando, lembrava a cena de <i>De volta para o futuro</i>, com a foto regressiva. O futuro está aí para dizer que a gente não estará. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Desde que testou pela primeira vez, Victor precisou passar a subir, com frequência crescente, no muro que dava para o telhado de trás. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Numa festa esquisita, num churrasco entre pessoas que mal conhecia, na fila para pegar o visto de partida, na fila no velório da tia Adriana, numa noite <i>néon</i> em Buenos Aires, numa noite amarelada em Sófia, olhando uma placa de rua em São Paulo, ou pagando a gorjeta da pizza. De repente, uma fragilidade cobre a pele, uma confusão turva a vista e Victor sente uma falta irreparável das tardes em que fumava escondido, protegido das garras do mundo, da ferida da vida, contando as telhas do vizinho dos fundos. </blockquote>
<br />Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-37547088518007819772015-03-27T04:46:00.002+01:002015-03-27T04:47:16.444+01:00<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Enquanto o Felipe repetia que ninguém instruiu a gente para atender a frequência da delicadeza, que a vida é dura, que a vida que a gente escolheu, mas que a gente não escolheu, mas escolheu tocar adiante, não funciona de acordo com tanta coisa de que a gente precisa para funcionar bem, tomei três ou quatro goles seguidos da cerveja que eu tinha na mão. Tinha passado a semana lutando contra as luzes que refletem no vidro do ônibus, à noite; essas luzes que vomitam uma cidade indescritivelmente frágil, sem fim, sem mais promessas.</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
- Serveja, brinquei, quando fiquei bêbado 6 anos atrás.</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O que o Felipe estava querendo dizer, ou o que eu entendi do Felipe, é que a gente entra num samba e repete o passo, mas o passo não muda o ritmo da gente a ponto de mudar as forças que, lá dentro, disputam com a selvageria que ataca daqui de fora. Selvageria que nunca é condescendente com a delicadeza. Mas, no fundo, o Felipe queria acreditar, e eu também, que todo mundo, todo, todo mundo é quebradiço, e mais delicado, quando descobre que o pai precisa pausar o tratamento de Parkinson para começar outro tratamento, ou vai morrer. Talvez morra mesmo assim.</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
E, de novo, olhando o reflexo da luz esverdeada pelo vidro da garrafa, pensei no dia em que cruzei um lago azul, em busca da delicadeza, ouvindo a música mais bonita de um amigo chamado Durand - mas uma cerveja nem nada duram o suficiente.</blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-62531565370469287882014-05-28T05:43:00.002+02:002014-05-28T05:43:56.577+02:00<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Estava na sala agora há pouco, quando meu telefone tremeu e vi que tinha recebido um alerta. Antes, era o telefone que tocava, quando tocava, para dizer que faz tanto, tanto tempo que a gente não se fala e por esses dias pensei em você, acredita? </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Tinha uns 6, 7 anos que não falava com o Bruno. Trabalhamos juntos lá atrás; depois, ele mudou de emprego, eu mudei de país, não sei, nunca mais. Daí, nesse meio do caminho, li <i>Amigos que no he vuelto a ver </i>e chorei, chorei mesmo, em mais de um dos contos. É que aquela história dos amigos que saíram da Espanha até Berlim de carro, em plenos 70, tanto sonho, que dá saudade até em quem só nasceu na década seguinte. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
<span style="color: #666666;">21:32 E agora estou dando aula para uma rapaziada que nasceu em 95, acredita? Em 95 eu estava descobrindo o Pulp e tentando convencer os pais dos meus amigos a deixar eles irem comigo numas festas em Santa Cecília. </span></blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Quando percebi que os boxezinhos do What's up não estavam mais dando conta dos 7 anos de silêncio, decidi ligar. E foi uma comédia ouvir o Bruno, mais rouco, meio gaguejando, porque, na verdade, ele queria mesmo era ter ligado, mas ficou sem jeito, acho; porque imagina o que é achar o telefone de alguém, depois de anos, no linkedin. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Falamos de uma porção de coisas, de coisas que falávamos 7 anos atrás e das coisas que não falamos em 7 anos. Contou que tinha saído da casa da ex-professora, história esquisita, e que estava morando com uma namorada, e que estava feliz, e que tinham uma casa, um cachorro, e que, no final, agora entendo algumas coisas, ele disse. Estava trabalhando muito também. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Conversa vai, vem, e ele me convida para jantar na casa deles, porque vão se casar e pensaram, faz sentido, gostaríamos que você fosse o padrinho. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Depois que desliguei, indo até a cozinha pegar uma uva, pensando que todo mundo dá um conto, que todo mundo se perde algum dia, se perde de vários outros e de alguns outros que, por algum motivo, foram mais especiais, fiz, por três vezes, um sim mecânico com a cabeça. Um gesto tão sem pensar quanto a saliva que juntou na boca, enquanto eu mastigava. Pensei que, sim, depois de todas as conversas que tivemos voltando do trabalho, no ônibus, subindo a Brigadeiro; do tanto que eu insisti, porque estava convencido de que, por maior que fosse a asneira que eu falava, falava com sinceridade; pensei que fazia sentido e me senti tão, mas muito em paz, porque aquelas conversas de bus, que nunca chegaram a ser de bar, ficaram no Bruno e ajudaram aquele sujeito, que era uma humanidade, a ser feliz. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
E fiquei só imaginando que voltaria a vê-lo mais gordo e mais feliz. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
</blockquote>
<br />Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-4336421796541755182014-05-26T04:21:00.002+02:002014-05-28T15:49:49.652+02:00<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Fui viajar até o Sul, pelo sul. Tomei um barco que saía da frente de um hotel turístico de Bariloche; um amigo me disse que eu deveria guardar dinheiro para passar ao menos uma noite ali. Do píer, de onde saímos, vi o hotel detrás de uma névoa, que se movimentava devagar, horizontal e verticalmente, num tempo diferente do do vento, que, lá embaixo, parecia mais forte, mais rápido. E fazia sol. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Quando o barco começou a balançar, a tomar o lago em direção aos bosques, aquele azul imenso, difícil dizer se era o céu refletido na água, ou a água, o brilho atrapalhava a vista, ficava difícil fazer foto, porque era muita luz cruzada, impossível perseguir o rastro dos raios: só a sensação toda. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Uma visão assombrosa. A beleza que o mundo tem; as rotas de fuga acabam sendo impraticáveis, porque a novidade do mundo desmonta a nossa segurança, tão frágil e tão dependente da certeza da rotina. Fui vendo cada dobra da água, protegendo o olho dos reflexos do sol; reparando onde a vegetação começava em cada trecho das margens; as montanhas impunham os contornos que só alguma coisa do tamanho de uma montanha é capaz de impor. O barco seguia numa velocidade média, duplicando o impacto do vento: só algumas pessoas experimentavam a área externa, por causa do frio. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Tinha planejado fazer o passeio ouvindo a música do Federico Durand. Porque, num primeiro momento, me disse ele, era só uma melodia, que foi se desenhando conforme se corporificava e virava som. Uma melodia que chamava "travessia". E enquanto eu chorava, e o vento secava as lágrimas, via tudo tão branco, o diafragma muito aberto, dessas indigestões de quando a gente come demais, o olho maior que a boca, menino. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Acho que quando o Eno fez "An ending" deveria estar, assim, engasgado. </blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-57710055074362717522014-01-09T23:18:00.005+01:002014-01-09T23:18:46.585+01:00<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Desculpe se eu estiver sendo invasivo; na verdade, acho que estou. Quer dizer, não sei se tem maneira de falar, com intenção de amizade, sem participar. Eu sei. Invadir e participar são coisas diferentes, e essa diferença pressupõe uma autorização, uma bandeira hasteada, alguma sinalização. Mas o que eu quero é que você entenda que a gente tem pouco tempo para evitar dizer as coisas por inteiro, inclusive se elas forem invasivas e se ser invasivo for errado. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Mas acho, e acho mesmo, que, nisso tudo, o seu susto maior, o medo que você está sentindo, tem a ver com o fato de talvez estar se dando conta de que o mundo que te foi dado não é exatamente o mundo no qual você está se descobrindo. Tentanto filtrar de uma maneira mais certeira: você conheceu três, quatro pessoas que deram a entender que são parecidas com as pessoas que você gostaria de ter, mas que não são como as pessoas que você tem. E o "ter" aqui é totalmente figurado, você entende. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
É isso que eu percebo quando conversamos. A Lara, por exemplo, encantou você por aquilo tudo que você não tem, que não achava que precisaria ter, mas que, agora, no tumulto, está parecendo parte do mundo que você imaginou nas mil vezes em que colocava Eno para escutar. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Quando eu tinha uns 17 anos, li <i>Demian</i>, do Hesse, e gravei aquela passagem do "Quem quiser nascer tem que quebrar o ovo" - mais ou menos assim. E, falando nela, me lembro de outra, do Beckett, em <i>Esperando Godot</i>: "esqueço na hora, ou me lembro para sempre". </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Você ainda não quebrou o ovo, e está pensa nisso o tempo todo. </div>
</blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-23020216137739939932014-01-08T17:19:00.001+01:002014-01-08T17:19:07.815+01:00<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
A gente pode achar que dura. Mas não dura. É tudo curto demais. Mesmo esticando os dedos, minha mão não dá conta de medir o mundo. Fico parado, com a mão aberta, decepcionado. Escapou. As coisas fazem falta. Estão aí, dando sopa, mas não estão nunca em mim. Às vezes, poucas, comigo. Mas não em mim. E mesmo quando volto e reencontro um lugar, uma pessoa, que perdi há anos, concluo que foi tudo imaginação. O lugar, a pessoa, a perda. Nunca tive nada. Sou curto para caberem as grandes coisas que inventei. O que eu invento já existe de um jeito diferente, grande, fora de mim. E sou sempre pouca coisa perto de cada uma delas. Insuficiente e curto demais. </blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-55617101026462589682013-07-08T21:25:00.002+02:002013-07-08T21:25:34.792+02:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGSiqdpBvUHoq9ljO_2aq2jJ3aZsE4-bN4k1s0_KEtA5R6wbSVmEt9pTK0DNjfYV_ZmXOg_2Dv5w28Iq3_iHbhdaQllHpkoKHyPMmIo3jNVT3xsqoILxSGa43cfWiUhfmjS9PYIw/s1600/Emil+Nolde+-+Blonde+Girl+and+Man.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="287" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGSiqdpBvUHoq9ljO_2aq2jJ3aZsE4-bN4k1s0_KEtA5R6wbSVmEt9pTK0DNjfYV_ZmXOg_2Dv5w28Iq3_iHbhdaQllHpkoKHyPMmIo3jNVT3xsqoILxSGa43cfWiUhfmjS9PYIw/s400/Emil+Nolde+-+Blonde+Girl+and+Man.jpg" width="400" /></a></div>
<br />Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-12316788242656490122013-07-08T17:32:00.003+02:002013-07-08T17:32:37.991+02:00<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Num dia frio desses, na Aclimação, acho (no máximo, Paraíso), Juliana está sentada no chão de taco do quarto, arrumando as coisas, separando os papéis, os livros e os recados, entre as caixas que pegou no Pão de Açúcar, tudo para acelerar a mudança, que precisava ter sido na semana passada. Juliana está olhando a porta azul-celeste, enquanto pensa na foto que o amigo postou, os pés quase chegando no céu, a porta da entrada ficou num amarelo lavado e escorrido. Ganhou <i>Rayuela </i>de presente, desse mesmo amigo, anos atrás, quando estava mudando de emprego. Fez um porta-retrato com a foto de Cortázar. No pacote, estavam <i>Jogo da amarelinha</i> e uma coletânea de poemas da Hilda Hilst. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Enquanto faz as malas, e decide o que vai e o que fica, enquanto se prepara para mais uma casa, enquanto anota mentalmente todas as casas pelas quais passou, foram muitas nos últimos anos, uma porção de ideias, com jeito de saudade, agrupam-se, organizando o sentido de períodos diferentes da própria vida. Quando fez 15 anos, e teve festa surpresa; quando deixou de viajar para a Bélgica para ficar com o ex-namorado, quando escolheu estudar Artes, quando descobriu que transar era fazer sexo, quando ouviu um disco do Brian Eno e chorou de canto, quando ouviu um disco do Caetano e chorou de frente, niguém, nenhuma obra conta tanto do Brasil do século XX. Um sapato, desgastado, fez Juliana pensar no dia em que foi embora da casa do último namorado, marido quase, saindo desesperada, sem levar quase nada, volto depois, sem voltar, o peito doendo tanto, o mais que pode doer uma parte do corpo da gente, o olho embaçado com tanta lágrima, tentando não derramar, chorar, se isso vai resolver alguma coisa, quem sabe passa, quem sabe, e a gente torna a dar certo. Não deu. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Juliana pensa também numa festa de aniversário, num apartamento dos Jardins, bebendo alguma coisa, nem tantas assim, um copo ou dois, se lembra, cerveja e whiskey, tentando virar adulta, se vira, o Alessandro chegando perto, um beijo de brigadeiro, não lembro, me lembro, quase nada; Juliana na guarita, esperando o pai vir buscar, ia embora com a Talita, nossa, não lembra, me lembro: Juliana excitando Gilvan, a alça esquerda do vestido caindo, se acontecer, não lembra, se deixar, me lembro, o pai da amiga chegou, entraram no carro, não aconteceu, só tchau e brigada. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Juliana está mudando de casa. Está mudando de bairro. Mudando de amigos. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Num determinado momento, ainda no chão do quarto, sentada, separando os volumes de <i>História social da arte</i>, encontra o <i>Livro do desassossego</i>, que abre aleatoriamente na página do projeto de sonhar. Sosssega. Corta a silver tape. Levanta e vai até a cozinha beber um gole d'água.</div>
</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-57337974466741365742013-07-03T13:15:00.001+02:002013-07-03T13:15:22.211+02:00manner<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh5woYZiXfZaKU-dcfBXABlvJdg3YXgd4fnUsGzjHPpTuBFsOV8ndCfnuTNg1D-YeKMPLTUFqBtcNH5FVQ1AqGsUANgwhzOUHOk_WPlFSwgC-ZqQW2Go5H2wrwTiY9ueiU9Hj4LNg/s800/PontormoAnnunciationBAA+web.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh5woYZiXfZaKU-dcfBXABlvJdg3YXgd4fnUsGzjHPpTuBFsOV8ndCfnuTNg1D-YeKMPLTUFqBtcNH5FVQ1AqGsUANgwhzOUHOk_WPlFSwgC-ZqQW2Go5H2wrwTiY9ueiU9Hj4LNg/s400/PontormoAnnunciationBAA+web.jpg" width="400" /></a></div>
<br />
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
"El Manierismo es en este sentido la primera orientación estilística moderna, la primera que está ligada a un problema cultural y que estima que la relación entre tradición e innovación es tema que ha de resolverse por medio de la inteligencia. La tradición no es más que una defensa contra la novedad demasiado impetuosa, sentida como un principio de vida pero a la vez de destrucción. No se comprende el Manierismo si no se entiende que su imitación de los modelos clásicos es una huida del caos inminente, y que la agudización subjetiva de sus formas expresa el temor a que la forma pueda fallar ante la vida y apagar el arte en una belleza sin alma." (HAUSER, p. 15)</blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-61067665347318762842013-07-01T02:48:00.000+02:002013-07-01T02:49:11.308+02:00<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
"Não importa onde você está, há sempre alguma coisa diferente acontecendo, na porta ao lado. Não importa o que você está sentindo, há sempre um sentimento diferente, espreitando bem ao seu lado. Não importa quanta tristeza você possa estar sentindo, há sempre uma esperança nas proximidades. E não importa o quão esperançoso você seja, há sempre algum medo, espreitando. Isto é o que torna tão excitante e difícil ser um ser humano. Eu escrevi estas peças na tentativa de honrar a dificuldade e a ansiedade, para honrar a grandeza do mundo, e para celebrar a quase impossível tarefa que encaramos, que é crescer em nossos corações e mentes enquanto nossos corpos se tornam menores e mais fracos. Esta foi uma das questões nas quais eu estava pensando. Eu espero que vocês aproveitem este tempo no teatro e espero que o ar pareça agradável quando vocês pisarem lá fora. Eu espero que o mundo pareça bom." Will Eno</div>
</blockquote>
<br />Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-86161843206309770922013-05-13T00:00:00.001+02:002013-05-13T00:01:18.003+02:00Você vai ver<br />
um medo<br />
mesmo<br />
que tenho de você<br />
o medo<br />
maior<br />
que você tem de nós<br />
doisUnknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-38013414532330396362013-05-12T01:22:00.001+02:002013-05-12T01:23:18.039+02:00<br />
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Só um parágrafo bem pequenininho para dizer que, na verdade, isso é um colapso; não existe maneira de avançar sem saturar o coração: de saudade, de melancolia e saudade. E ele, o coraça, cansa. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Enquanto deixava o copo, com suco de laranja, na mesa lateral, Luc pensava no primeiro livro do Pignatari, pioneiro, pensado, pedaço, passado, as de paus. </div>
</blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-78221699385085107902013-03-31T01:39:00.004+01:002013-03-31T01:39:34.547+01:00<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
De repente, olhando para o teto do quarto, especificamente para a quina onde parede e teto, por cima do armário, dizem que não vão cair, me lembrei da vez em que, dormindo na praia, entendi a importância dos quartos na história da nossa vida. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Quando morei em Barcelona, logo no primeiro dia, descobri um quarto de pouco menos de 6 m2, que passei a chamar de meu. Quase não saía. Li, dormi, vi filme, vi foto da garota que dormia no quarto ao lado, vi o mercado que ficava embaixo, o rio que cruzava a vizinhança. Naquela primeira noite, tive febre. Não contei para ninguém; não queria que pensasse que era demais para mim. Tive febre e, na manhã seguinte, saí para comprar aspirina efervescente, pensando que, na verdade, aquele quarto não era meu. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Se faço as contas, e não me perco, acho que tive 5 quartos em toda a minha vida. Incluindo esse, de quando morei fora e descobri que o quarto precisa ter o tamanho do mundo. Mesmo pequeno, seguro, abrigo. Só serve e só precisam ser poucos se, na quina, pra lá da quina, estão o mundo e as suas coisas, o mundo e as coisas que a gente ainda não viu do mundo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Hoje, estou no sexto quarto da minha vida. Estou olhando a quina e, por mais que eu tente ver o mundo, as únicas coisas que eu vejo são meus 5 quartos anteriores. Estou comparando. Pensando se tem eu, se tem o meu jeito. Se terá jeito. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Quem sabe, vendo os 5 quartos de antes, vejo, vendo o mundo, todos os possíveis quartos de depois? </blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Sempre que dormi fora, em hotel, hostel, motel, procurei o mundo que inventei, sozinho, no quarto. No meu segundo quarto, sonhava com um trem que voava e uma espingarda que um homem de bigode apontava para perto de mim. Nesse quarto, decidi que ia usar gel no cabelo e jaqueta jeans. Depois, vi um quadro do James Dean, que me guiou numa redação para a aula de Português. No texto, dormia em 96 e passava a noite em 53. Ouvia Del Shannon e dançava com garotas charmosas. Se não me engano, Dean morreu três anos depois. </div>
<div style="text-align: justify;">
Estou pensando se, nesse quarto, mais velho, o mundo ainda tem vez. </div>
</blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-80919582351785124532013-03-30T02:15:00.003+01:002013-03-30T02:23:24.160+01:00<blockquote class="tr_bq">
I'm really into it.<br />
I'm really.<br />
I'm really, really. It.<br />
I'm really into. In. To.</blockquote>
Where?<br />
<blockquote class="tr_bq">
I'm reallin. Reallin really it.<br />
Realling really eat.<br />
In to it it, Eat. </blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
Bye. Bye.</blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-56602010398245078732013-03-30T02:08:00.002+01:002013-05-12T01:24:17.367+02:00<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Voltando de uma visita à Faculdade de Medicina da USP, Juliana e Rafaela imaginavam um mundo à parte, espécie de sofá de casa, quando não toca o telefone, tv absolutamente apagada, ninguém para chamar na hora mais sagrada da música favorita. Se eu tivesse que arriscar, Rafaela e Juliana nunca converteriam a música em leitura favorita. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
As duas no banco detrás. Engraçado: consigo lembrar exatamente a roupa e as unhas pretas, mas tenho ideia nenhuma de quem vinha ao meu lado. Estavam ouvindo Green Day, e ouvir Green Day, além de levantar um território inegociável em que só as duas podiam pisar, era também um grito para o lado de fora, ou seja, nós. Eram e tinham alguma coisa diferente. Eram e tinham essa alguma coisa que deixa claro que estamos longe daquele lugar. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Confesso que, por algum tempo, tive curiosidade pela amizade, espécie de pacto entre as duas. Sentia falta das histórias onde o vocalista e o baixista - das bandas que eu ouvia - se conheciam numa faculdade para mudar as próprias vidas. A classe média de São Paulo não quer mudar nunca nada. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Fui convidado para um almoço na casa de um quase amigo do trabalho. Rafaela apareceu com o marido. Fazia 15 anos que não via. Teve filho. Não trabalha. Engordou um pouco, não o tanto suficiente para impedir o shortinho jeans justo, curto e apertado. Rafaela puxou conversa, perguntou de mim. Chamou um brinde. Rafaela perguntou o que eu fazia, quem eu conhecia. Rafaela se insinuou. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
"E a Juliana, você ainda vê?" </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Diria que está todo mundo na mesma.</div>
</blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-68607457990491759082013-03-21T02:48:00.001+01:002013-03-21T02:50:09.657+01:00<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Faz dias já - não sei se começou nesta ou na semana passada -, tenho ouvido o toque do meu telefone. Eu concluo que é o meu. No banho, quando ligo o chuveiro, ou enquanto a água cai; no quarto, durante a arrumação das coisas da mudança, sempre toca alguma coisa. E eu escuto. E penso que tem alguém me ligando. E penso na sequência que abre o <i>mui </i>doído <i>Era uma vez na América</i>, entre um chamado e o delírio. Será que o meu telefone não toca? </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Quando alcanço a tempo, quando atendo, a ligação não completa. E o número é desconhecido. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Dormindo, ainda não aconteceu. Só quando estou acordado, fazendo alguma coisa com a sensação de que esperam que eu esteja fazendo outra coisa. Antes, eu fazia. Por muito tempo eu fiz essa mesma outra coisa.</div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Agora, o telefone toca e penso nas pessoas que podiam estar me ligando. Faz tempo que não vejo o Felipe. E a Leandra. O telefone toca e não é ninguém. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Quando alcanço, quase sempre, foi só impressão. Ouvi o som. Ninguém falou. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
O mais curioso, o incrivelmente curioso - se alguém souber explicar -, é, e me dei conta há muito pouco tempo, que o que toca, o toque que toca, do meu telefone, é do meu telefone de um par de anos atrás.</div>
</blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-82534273794869920952013-02-12T14:39:00.004+01:002013-02-12T14:39:53.846+01:00<blockquote class="tr_bq">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;">"y esas ganas de volver a vernos, en todo momento sinceras, sólo permanecieron en nosotros junto al lugar en el que guardamos las vidas posibles que un día tendremos." (p. 61, El último joven)</span></blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-41804157830612157192013-02-03T03:53:00.004+01:002013-02-03T04:05:01.850+01:00<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Sabe, Maria, durante muito tempo, quase meu tempo todo, imaginei que nunca mudaria a impressão que tenho, ou tinha, do seu nome. Inclusive tendo entendido que, lá embaixo, os nomes têm todos os mesmos defeitos. Não significam nada.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas, quando conheci você - você, do jeito que você odeia, e não "te conheci" -, achava preguiçoso demais. "Maria". Tá bom.</div>
<div style="text-align: justify;">
Agora, a gente andando pela Ribeirão Preto, buscando um apartamento para alugar, tudo caro, leio Maria escrito na fachada do edifício onde gostaríamos de morar (e dificilmente poderemos), me pergunto se eu toparia, lidaria bem morando num prédio chamado Isabel. </div>
<div style="text-align: justify;">
Não falei no carro, mas acho que não.</div>
</blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-50274517543238403072013-01-14T01:29:00.004+01:002013-02-12T14:41:51.675+01:00<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Cibele, ou Sibele, não me arriscaria a dizer (depois de quase 18 anos), nunca quis que soubessem que seu primo era rico. Sem querer, deixou escapar que, no final de semana passado, Breno viajou para Angra de helicóptero. Corrigindo, tentando, correu para dizer que não era tão rico assim, mas viajar de helicóptero era o mínimo que alguém com uma casa de 10 mil metros de terreno pode fazer. Ai, não é exatamente assim. O jardim é que é grande, a casa, acho, tem uns 500 metros, mas não comenta nada, que ele odeia falar nisso. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Breno, sentado na mesa atrás da minha, moraria numa ilha. Sem ninguém. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Breno casou há coisa de dois anos. Acabo de encontrá-lo sondando a seção de quadrinhos da Livraria da Vila, na Lorena. Passei de bicicleta, pouco antes da chuva. Estava com <i>Umbigo sem fundo</i> debaixo do braço. Li no ano passado. Acho que estou fabricando minha própria ilha. Que bom. Vamos combinar uma pinga. Cerveja, não? Estou só no destilado.</div>
</blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-16660380288315505802013-01-01T13:52:00.001+01:002013-01-14T01:30:41.419+01:00<blockquote class="tr_bq">
<br />“Que la mitología del chamán no corresponda a una realidad objetiva carece de importancia: la enferma cree en esa realidad y es miembro de una sociedad que también cree en ella”. (Lévi-Strauss)</blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-66620124395818093232012-11-25T03:26:00.002+01:002012-11-25T03:34:25.805+01:00<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Tinha tempo que Lígia não ligava. Na verdade, tinha tempo que, apesar de amigos de Facebook e essas coisas, não trocavam um curtir, uma mensagem, e-mail, que dirá um telefonema. Por isso, quando atendeu a chamada, e o telefone não denunciou quem era, levou entre 5 e 10 segundos para, apesar do mesmo sotaque de interior, dizer um "caramba, Lígia. Deve fazer uns 6 anos que a gente não se fala". </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Tinham trabalhado juntos, por 5 anos. Eram da mesma área, numa empresa pequena, dessas em que todo mundo se fala, mesmo sem ter vontade ou precisar. Na época, tocaram mais de um projeto juntos, pensaram planos de comunicação com toque de bibliografia de graduação, ações de lançamento de campanhas e outras coisas que, hoje - e mesmo por aqueles dias - têm quase nada de importância. Não fossem, claro, as histórias compartilhadas com um par de pessoas interessantes. Depois que Rodrigo mudou de emprego, que mudou de quase tudo, falaram uma ou outra vez pelo messenger ("Acabou, Rodrigo, acredita?"), ficaram de marcar um chopp, um papo, um café, um livro, um dia. Rodrigo mostrou uma porção de discos que Lígia esqueceu. Bem possivelmente por isso, enquanto explicava como conseguira o número, a ex-colega de Santa Bárbara fez questão de dar um jeito de incluir um "ainda escuta El mato"? </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Rodrigo perdeu um pouco o fio da conversa, longe, pensando em todas aquelas coisas que uma visita ao que não existe mais traz: o ar abafado da sala sem janela, o humor divertido do programador, o romance exagerado do seu chefe com o assessor de imprensa, a chilena de peitinhos lindos que mais tarde casaria com outro chefe seu, o dupla (e amigo grande) com quem dividia a mesa e as responsabilidades, o café da Rose, a proprietária do imóvel que às vezes aparecia para cobrar o aluguel. Caramba, Lígia. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Agora, depois desses anos, depois das histórias que não sabiam um do outro, acumuladas com as histórias que, já antes, não tiveram tempo nem oportunidade de trocar, tinham saudade, tinham mais ideias inacabadas e medos novos. Lígia estava casada, Rodrigo estava em casa. Será que a gente marca aquela cerveja? Estou viajando para Buenos Aires. Atrapalhado, depois de amanhã. Estou terminando meu doutorado. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Pena mesmo.</div>
</blockquote>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-88434390115383526442012-11-19T02:18:00.000+01:002012-11-25T03:38:51.504+01:00<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
Claro, andar por São Paulo como se fosse estranha - e acontece de ser estranha - , absolutamente convencido de que o sentido das coisas está nas coisas, sem explicação; mas igualmente convencido de que procurar as explicações é uma maneira de encontrar as coisas, no que elas têm de mais elas, elas mesmas. </blockquote>
<blockquote>
O que vocês querem fazer, perguntei, distraído, tentando adivinhar o que era o quê em cada um, não tão imediato. Tomava umas caipirinhas. Estou com um pouco de fome. Vamos ver o lugar antes. E fomos. Andamos até a Rebouças, feriado sem nunca antes, uma cidade sem nunca antes, vazia, gelada em novembro, com tudo funcionando como antes. Descemos o corredor, descemos num ponto mais conveniente que o planejado. Ficamos perto desse McDonald's, disse J., enquanto eu chamava para baixar, é no próximo. Demos uma volta pequena, mas estava fechado. Tudo deserto.<i> Te estoy diciendo que es un día atípico. Bueno, una ciudad atípica</i>. </blockquote>
<blockquote>
Comemos? </blockquote>
<blockquote>
Tomava umas caipirinhas. Estou com um pouco de fome. Ah, nem tanto. Não sei. Iria para um lugar com mais gente, sentaria, tomava alguma coisa. Umas caipirinhas? </blockquote>
<blockquote>
Fiz uma pausa. Pausa mesmo, quase imitando cinema. Imitando o vídeo-cassete, o dvd, na verdade. </blockquote>
<blockquote>
Existe um jeito de olhar as pessoas falando, um jeito de tentar entender por que elas falam com a pausa e o ritmo que usam para falar, com as caídas, as subidas, as ênfases. O queixo levantado, a mão no bolso, o cabelo na testa. Segurando um cigarro. Segurando o cotovelo. As falas, com as marcas das histórias de cada um. E quem não fala? </blockquote>
<blockquote>
Sei de um lugar. Melhor táxi. De repente, o ônibus atrasa e a gente perde o que quer que esteja tendo lá. </blockquote>
<blockquote>
"Qué bueno espíritu tiene el lugar", diz J., ao que A. segue com "hay que invitar a esta gente". Depois, J. pergunta se a gente usa "espírito" com o mesmo significado, e imediatamente me dou conta de que, na verdade, está querendo resolver o ruído do fim de tarde, quando falava em "espíritu" de São Paulo e um amigo não entendia o "relajado". </blockquote>
<blockquote>
Pediram caipirinha. Entendi que estávamos no meio de um aniversário. Tomei Heineken. Quis estudar em Buenos Aires. Fiz Turismo. La Plata já esgotou. <i>Un cambio</i>. <i>La revolución es mutante</i>. Em menos de dois anos. 10 anos juntos. E quem fala amanhã? </blockquote>
<blockquote>
M. estava um pouco bêbada quando mudou de roda na pista para chegar e falar mais perto. Você também é poeta? Vou fazer um performance. Vou ler um microconto triste. Minha performance também é triste. </blockquote>
<blockquote>
22h25. A. mostra o visor do celular, enquanto estamos J., eu e M. dançando Marina Lima, enquanto as mesmas meninas que fizeram no banheiro o que poderiam ter feito no quarto faziam tudo de novo, agora, na pista. <i>La hora, R. La hora, por favor</i>. É o <i>espíritu</i> de hoje, pensei. O jeito de falar de cada um. O jeito de dar <i>pause </i>e prestar atenção. <i>Qué bueno</i>, <i>R</i>. </blockquote>
<blockquote>
Estão na fila do McDonald's. Saímos da festa cansados, com fome e sem dinheiro. <i>Caminemos</i>, setenciou A. Precisei parar para pensar o caminho. Devagar. Paramos também porque estava complicado segurar a vontade de ir ao banheiro. Estão na fila. Estou pensando que vou continuar lendo, muito. Mais noites assim e escrevo um livro inteiro de poesia.</blockquote>
</div>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-5905861949770409422012-10-14T01:32:00.002+02:002012-10-14T01:34:45.989+02:00<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Juan está sentado no computador, respondendo a mensagem que uma amiga de Mendoza mandou via Facebook, ouvindo a mesma música que escolheu ouvir, do lado de fora do barco, enquanto o azul avassalador dos lagos refletia o sol e tocava as pedras, curtas, que logo estavam cobertas de terra e de arbustos, em tons de verde. </div>
<div style="text-align: justify;">
Por curiosidade, Juan já quis entender como o som, a música, chega e retorna do corpo da gente. Nesse movimento, que tanto atravessa e reverbera por dentro, estimulando os tecidos, acelerando ou tranquilizando o fluxo do sangue, o ritmo dos órgãos, a respiração, o coração. O que será que acontece na alfândega dos limites do nosso território? Que parte pode entrar, sem taxação? Juan, ouvindo esse mesmo <i>loop </i>expandido, que relaciona sons e mundo, imagens e ideias, lugares e pessoas, está convencido de que sempre vai querer correr o risco de pagar imposto.</div>
<div style="text-align: justify;">
Algumas coisas estão óbvias demais nas decisões de amigos que significaram grandes surpresas. Os motivos para uma conversa. Para um e-mail. Para um presente de aniversário. Vamos brindar pelas pessoas que desfazem os planos com paixão? Vou te mandar um vídeo amanhã?</div>
</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-19840494.post-87925043862322712692012-09-28T04:12:00.004+02:002012-10-04T12:39:45.031+02:00<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Vi a mensagem de D. num Starbucks da Callao. Ficamos de combinar alguma coisa, mas precisei sair mais cedo, para ver alguns livros e Buenos Aires. Então, quando li a última resposta, depois de aceitar todas as condições para usar o wi-fi, fui meio depressa procurar um lugar de onde eu pudesse fazer a chamada.</div>
<div style="text-align: justify;">
Muita coisa estava fechada, sem sistema. Passei por uma rua, onde, em 2007, a praça ainda não estava cercada. Foi curioso. Olhei, lembrei. E imediatamente corri para ver se a livraria onde comprei <i>La joven guardia</i>, por sugestão do vendedor, continuava no mesmo lugar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Perguntei num <i>kiosko</i> por algum telefone. Pediram para eu virar na próxima rua à direita. Entrei, pedi uma cabine e disquei o número de D., que atendeu, reconhecendo minha voz. Ou o meu sotaque. Estava perto, no centro, e lembrava que D. tinha reclamado da confusão de morar no meio de tudo. Disse que descia em 15 minutos, para a gente se encontrar em frente à livraria Hernández. No dia anterior, tinha comprado o siglo XX na loja, que até me deu um livro de graça. A cidade ainda tem muitas e charmosas livrarias. O dono realmente lê e tem sempre boas sugestões para guiar o passeio pelas prateleiras, frequentemente desorganizadas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Caminhamos até o apartamento, num edifício antigo, numa rua apertada. Do lado de fora, e mesmo do hall de entrada, com diversos detalhes do começo do século XX, a sensação é de estar a alguns minutos de um apartamento gelado e escuro. Quando D. abriu a porta e demos surpreendentemente com um vitral aconchegante, entendi que um projeto como o que D. vinha desenvolvendo há anos traduzia um espaço claro e uma harmonia fiéis à euforia que eu estava sentindo ali. Muita alegria, fascinação, e em paz. D. mostrou os cômodos, explicou um pouco o ritual de cada um deles, até chegar no seu quarto de criação. Foi quando conheci Mumi, gatinha manhosa, mas simpática, que, a partir de então, passou a acompanhar nossa tarde: da mesa ao chá na cozinha, do sofá à vitrola. </div>
<div style="text-align: justify;">
D. tinha recebido um vinil do Japão, registro de uma colaboração sua com um artista de lá. <i>Estoy planeando mi viaje a Japón - vienes? </i>Um poema. Ficamos ouvindo em silêncio, enquanto a água esquentava no fogo e eu me convencia de que algumas decisões nossas, nem sempre as mais importantes - muitas vezes elas -, nos levam exatamente para onde precisamos estar. Por uma tarde. De verdade, pode significar o começo de uma vida inteira.</div>
</blockquote>
Unknownnoreply@blogger.com