Sunday, November 25, 2012

Tinha tempo que Lígia não ligava. Na verdade, tinha tempo que, apesar de amigos de Facebook e essas coisas, não trocavam um curtir, uma mensagem, e-mail, que dirá um telefonema. Por isso, quando atendeu a chamada, e o telefone não denunciou quem era, levou entre 5 e 10 segundos para, apesar do mesmo sotaque de interior, dizer um "caramba, Lígia. Deve fazer uns 6 anos que a gente não se fala". 
Tinham trabalhado juntos, por 5 anos. Eram da mesma área, numa empresa pequena, dessas em que todo mundo se fala, mesmo sem ter vontade ou precisar. Na época, tocaram mais de um projeto juntos, pensaram planos de comunicação com toque de bibliografia de graduação, ações de lançamento de campanhas e outras coisas que, hoje - e mesmo por aqueles dias - têm quase nada de importância. Não fossem, claro, as histórias compartilhadas com um par de pessoas interessantes. Depois que Rodrigo mudou de emprego, que mudou de quase tudo, falaram uma ou outra vez pelo messenger ("Acabou, Rodrigo, acredita?"), ficaram de marcar um chopp, um papo, um café, um livro, um dia. Rodrigo mostrou uma porção de discos que Lígia esqueceu. Bem possivelmente por isso, enquanto explicava como conseguira o número, a ex-colega de Santa Bárbara fez questão de dar um jeito de incluir um "ainda escuta El mato"? 
Rodrigo perdeu um pouco o fio da conversa, longe, pensando em todas aquelas coisas que uma visita ao que não existe mais traz: o ar abafado da sala sem janela, o humor divertido do programador, o romance exagerado do seu chefe com o assessor de imprensa, a chilena de peitinhos lindos que mais tarde casaria com outro chefe seu, o dupla (e amigo grande) com quem dividia a mesa e as responsabilidades, o café da Rose, a proprietária do imóvel que às vezes aparecia para cobrar o aluguel. Caramba, Lígia. 
Agora, depois desses anos, depois das histórias que não sabiam um do outro, acumuladas com as histórias que, já antes, não tiveram tempo nem oportunidade de trocar, tinham saudade, tinham mais ideias inacabadas e medos novos. Lígia estava casada, Rodrigo estava em casa. Será que a gente marca aquela cerveja? Estou viajando para Buenos Aires. Atrapalhado, depois de amanhã. Estou terminando meu doutorado. 
Pena mesmo.

Monday, November 19, 2012

Claro, andar por São Paulo como se fosse estranha - e acontece de ser estranha - , absolutamente convencido de que o sentido das coisas está nas coisas, sem explicação; mas igualmente convencido de que procurar as explicações é uma maneira de encontrar as coisas, no que elas têm de mais elas, elas mesmas. 
O que vocês querem fazer, perguntei, distraído, tentando adivinhar o que era o quê em cada um, não tão imediato. Tomava umas caipirinhas. Estou com um pouco de fome. Vamos ver o lugar antes. E fomos. Andamos até a Rebouças, feriado sem nunca antes, uma cidade sem nunca antes, vazia, gelada em novembro, com tudo funcionando como antes. Descemos o corredor, descemos num ponto mais conveniente que o planejado. Ficamos perto desse McDonald's, disse J., enquanto eu chamava para baixar, é no próximo. Demos uma volta pequena, mas estava fechado. Tudo deserto. Te estoy diciendo que es un día atípico. Bueno, una ciudad atípica
Comemos? 
Tomava umas caipirinhas. Estou com um pouco de fome. Ah, nem tanto. Não sei. Iria para um lugar com mais gente, sentaria, tomava alguma coisa. Umas caipirinhas? 
Fiz uma pausa. Pausa mesmo, quase imitando cinema. Imitando o vídeo-cassete, o dvd, na verdade. 
Existe um jeito de olhar as pessoas falando, um jeito de tentar entender por que elas falam com a pausa e o ritmo que usam para falar, com as caídas, as subidas, as ênfases. O queixo levantado, a mão no bolso, o cabelo na testa. Segurando um cigarro. Segurando o cotovelo. As falas, com as marcas das histórias de cada um. E quem não fala? 
Sei de um lugar. Melhor táxi. De repente, o ônibus atrasa e a gente perde o que quer que esteja tendo lá. 
"Qué bueno espíritu tiene el lugar", diz J., ao que A. segue com "hay que invitar a esta gente". Depois, J. pergunta se a gente usa "espírito" com o mesmo significado, e imediatamente me dou conta de que, na verdade, está querendo resolver o ruído do fim de tarde, quando falava em "espíritu" de São Paulo e um amigo não entendia o "relajado". 
Pediram caipirinha. Entendi que estávamos no meio de um aniversário. Tomei Heineken. Quis estudar em Buenos Aires. Fiz Turismo. La Plata já esgotou. Un cambio. La revolución es mutante. Em menos de dois anos. 10 anos juntos. E quem fala amanhã? 
M. estava um pouco bêbada quando mudou de roda na pista para chegar e falar mais perto. Você também é poeta? Vou fazer um performance. Vou ler um microconto triste. Minha performance também é triste. 
22h25. A. mostra o visor do celular, enquanto estamos J., eu e M. dançando Marina Lima, enquanto as mesmas meninas que fizeram no banheiro o que poderiam ter feito no quarto faziam tudo de novo, agora, na pista. La hora, R. La hora, por favor. É o espíritu de hoje, pensei. O jeito de falar de cada um. O jeito de dar pause e prestar atenção. Qué bueno, R
Estão na fila do McDonald's. Saímos da festa cansados, com fome e sem dinheiro. Caminemos, setenciou A. Precisei parar para pensar o caminho. Devagar. Paramos também porque estava complicado segurar a vontade de ir ao banheiro. Estão na fila. Estou pensando que vou continuar lendo, muito. Mais noites assim e escrevo um livro inteiro de poesia.
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